Store | Os retalhistas e grossistas europeus estão a recuperar do impacto da Covid teve sobre os negócios? Já é possível medir as consequências? O que é necessário fazer para restabelecer o equilíbrio?
Christel Delberghe | Em geral, as lojas de retalho alimentar resistiram bastante bem à tempestade da Covid-19, na medida em que a maior parte delas conseguiu manter-se aberta, aumentou a sua atividade em resultado das restrições e rapidamente superou alguns problemas que inicialmente se verificaram na cadeia de abastecimento. Um estudo recente em parceria com a McKinsey – “The state of grocery in Europe: navigating the market headwinds” – identifica uma série de tendências que irão provavelmente definir o setor no futuro, incluindo um menor crescimento, resultante da reabertura do setor hoteleiro, e um menor poder de compra dos consumidores, resultante de uma inflação elevada. A recente invasão da Ucrânia está a criar uma maior pressão sobre o setor, com uma espiral de preços na energia e nas matérias-primas e ainda disrupções na cadeia de abastecimento em várias áreas. Lojas não alimentares, em particular lojas de roupa e pequenas e médias empresas (PME) nos centros das cidades, foram severamente afetadas por confinamentos repetidos e frequentemente imprevisíveis em toda a Europa e muitas enfrentam agora um futuro económico incerto, com linhas de crédito esgotadas e um volume de negócios muito limitado ao longo de muitos meses. Quando muito, apenas uma parte desta receita perdida foi compensada por vendas online. Estas empresas precisam de acesso a financiamentos para investir e recuperar o seu negócio com a maior urgência. Também temos observado com muita preocupação o recente ritmo da atividade regulatória e pedimos aos governos que tenham em conta que as empresas, para sobreviverem nestas circunstâncias difíceis, também precisam de um ambiente regulatório que as apoie e que minimize os custos de conformidade.
Dois anos após o início da pandemia, a Europa (e o mundo) enfrenta uma guerra. Qual é a posição do EuroCommerce em relação a esta questão?
Emitimos um comunicado de imprensa no dia 25 de fevereiro a condenar a invasão da Ucrânia por parte da Rússia e tornando claro que estávamos com o povo da Ucrânia e que apoiávamos quaisquer medidas que os governos da União Europeia e nacionais entendessem que a Europa devia tomar. Mantemos essa afirmação, lamentando profundamente as vidas perdidas e os danos causados ao país. Muitos dos nossos membros organizaram doações de ajuda humanitária para o povo da Ucrânia e para as centenas de milhares de pessoas que fugiram para os países vizinhos em busca de segurança. Criámos uma página dedicada no nosso website para refletir o que os nossos membros estão a fazer para ajudar.
A situação afeta a atividade dos membros do EuroCommerce na Rússia e também na Ucrânia. Que consequências prevê?
Muitos dos nossos membros com operações na Ucrânia fecharam-nas para permitirem que os seus funcionários pudessem encontrar um local seguro para si próprios e para as suas famílias, mas, sempre que possível, tentaram manter os abastecimentos de bens essenciais aos cidadãos. Louvamos a coragem das suas equipas ao continuarem a fornecer um serviço essencial em circunstâncias frequentemente muito desafiadoras.
As sanções a empresas que operam na Rússia terão várias implicações – que vão da dificuldade na entrega dos produtos devido a dificuldades logísticas até como pagar esses produtos tendo em conta as amplas sanções impostas às transferências financeiras para e da Rússia. Algumas empresas concluíram, também por outros motivos, que tinham de fechar ou suspender as suas operações na Rússia. Estas empresas correm o risco de o Estado russo expropriar as suas propriedades. A enorme desvalorização do rublo desde a invasão também significa que os russos terão menos dinheiro para gastar.
Dependendo da evolução, a guerra irá afetar toda a cadeia de abastecimento. Considera que o abastecimento de bens essenciais estará em risco?
A principal ameaça da guerra será, conforme já referi, a inflação, impulsionada por aumentos dramáticos nos preços da energia e das matérias-primas, que se repercutem em muitos dos produtos que o nosso setor vende e se refletem no poder de compra dos consumidores. A Ucrânia e a Rússia são grandes exportadores de energia, fertilizantes e matérias-primas tais como trigo, milho e sementes oleaginosas, particularmente óleo de girassol. Não prevejo que possamos assistir a uma interrupção geral nos abastecimentos, mas os custos da produção alimentar e os preços ao consumidor irão provavelmente subir acentuadamente. O nosso presidente e eu escrevemos à Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, explicando como o nosso setor está a sofrer enormes pressões sobre os custos e referindo a necessidade de nos ser concedido acesso a apoio estatal por forma a combatermos o impacto significativo dos maiores custos da energia e, assim, mantermos os aumentos dos preços aos consumidores dentro de determinados limites. Pedimos também uma aplicação rigorosa do mercado único, de forma a garantir que os abastecimentos continuem a fluir para onde são necessários. Acima de tudo, pedimos apoio para continuarmos a investir na sustentabilidade e digitalização, mas também uma abordagem pragmática à regulamentação e a prevenção de encargos inoportunos e desnecessários numa altura em que o nosso setor não pode suportá-los.
O aumento dos preços é, como mencionou uma das consequências. O que deve ser feito para mitigar esta situação?
Penso que os aumentos de preços são inevitáveis a curto prazo e é impossível dizer por quanto tempo durará a inflação e as circunstâncias específicas que a impulsionam neste momento. O que queremos evitar é que os fornecedores exijam aumentos de preços para além do aumento real das matérias-primas em prejuízo dos agricultores e consumidores. Os consumidores enfrentarão um período realmente difícil para fazer face a enormes faturas de energia enquanto também terão de pagar todas as restantes despesas diárias, incluindo a alimentação. O nosso setor, como sempre o fez, trabalhará arduamente para tornar as nossas próprias operações tão eficientes quanto possível, de forma a minimizar o impacto sobre os consumidores. Mas com margens muito baixas, há um limite para o que podemos absorver. Conforme já disse, precisamos de ajuda para conter os custos, particularmente da energia, de forma a controlar o impacto dos custos superiores sobre os preços ao consumidor.
A um outro nível, uma questão recente relacionada com a cadeia de abastecimento é a proposta de diretiva sobre uma Gestão Empresarial Sustentável. Como lê este documento? O EuroCommerce acolhe-o ou é crítico em relação ao seu conteúdo?
Subscrevemos totalmente o objetivo de uma cadeia de abastecimento responsável e sustentável que respeite os direitos daqueles que produzem o que nós vendemos e que minimize o seu impacto ambiental. Há muito que os retalhistas e grossistas têm atuado na resolução de potenciais problemas nas suas cadeias de abastecimento e têm participado ativamente em medidas de diligência voluntárias e em esquemas de matérias-primas setoriais e específicos. Temos estado a trabalhar com fornecedores para garantir uma conduta responsável ao longo de toda a cadeia. Mas a natureza da venda a retalho e por grosso implica lidar com uma multiplicidade de atores em constante mudança, em cadeias de valor altamente diferenciadas e frequentemente globais. Pedimos aos legisladores que reflitam seriamente sobre o impacto de algumas das propostas, particularmente quando atribuem às empresas a responsabilidade por abusos que ocorrem muito mais à frente na cadeia e sobre os quais não têm qualquer controlo. A atribuição de responsabilidades tem de ser proporcional, garantindo também que as PME não tenham obrigações impossíveis de cumprir.
Esta entrevista pode ser lida na integra na edição de junho da Store
Fonte: Store Magazine