segunda-feira, 05 setembro 2022 15:12

Pedro Brinca: Disrupções nas cadeias de abastecimento

As disrupções das cadeias de abastecimento estão a desempenhar um papel central nas dinâmicas económicas durante e do que se espera que seja o pós-pandemia. Não obstante, as guerras comerciais da administração Trump e o acentuar dos fenómenos climáticos extremos já tinham ajudado a que a resiliência das cadeias de abastecimento mundiais estivesse no centro das agendas políticas dos anos vindouros.

No relatório “World Economic Outlook” de 2019, do Fundo Monetário Internacional, já estavam expressas preocupações relativamente ao aumento das barreiras ao comércio internacional e da incerteza associada a questões geopolíticas.

No que diz respeito aos impactos da mudança climática, o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos gera necessariamente atrasos substanciais nas entregas. Inundações, fogos, furacões e tempestades são tudo fenómenos que levam a que, globalmente, se calcule que, em 2030, as perdas globais atinjam os 2,4 triliões de dólares.

Tudo isto se traduz num aumento dos custos operacionais das cadeias de abastecimento. Os ganhos de eficiência resultantes da minimização de stocks e da adoção de estratégias de gestão just in time são agora revertidos pela necessidade de ter maiores stocks, quer de produto, quer de bens intermédios, precisamente como proteção contra todos estes fenómenos.

A pandemia veio apenas agudizar muitos destes problemas cujos efeitos já se vinham a exprimir nos últimos anos. Não obstante, a magnitude com que o fez foi, de facto, sem precedentes. Como se pode observar, na fig. 1, a pandemia viu uma degradação histórica do indicador que mede os tempos de entrega. Ao fecho inicial dos portos na China, logo no princípio de 2020, seguiram-se depois disrupções generalizadas à medida que a pandemia fazia o seu percurso para oeste, chegando primeiro à Europa e depois às américas.

Fig. 1 – Tempos de entrega nos EUA e na União Europeia. Quanto menor for o valor do índice, maiores são os prazos de entrega

Este estado de coisas motivou inicialmente uma declaração de intenções forte por parte das instâncias europeias, no sentido de promover uma reindustrialização da Europa, que idealmente iria contribuir quer para reverter parte das perdas ao nível de emprego com o offshoring, quer para aumentar a resiliência das cadeias de abastecimento no espaço europeu.

Não obstante, existe também um outro efeito das recentes disrupções das cadeias de abastecimento que tem levantado fortes problemas nas economias ocidentais – a inflação. Como se vê na fig. 2, o aumento acentuado dos tempos de entrega, escala da direita agora invertida, antecedeu o aumento acentuado do nível de preços no consumidor nos EUA (a correlação para a Europa é semelhante). O aumento súbito da procura de bens e serviços, por parte de famílias que vinham com bastante poupança forçada durante o confinamento, pôs demasiada pressão sobre cadeias de abastecimento que por si já estavam bastante frágeis.

Fig. 2 – Tempos de entrega (direita) e nível de preços no consumidor (esquerda) nos EUA

Isto configura um cenário complicado porque estas disrupções, apesar de existir a perceção de que são temporárias, têm sido bastante persistentes, o que pode alimentar uma espiral inflacionista alimentada por maiores reivindicações salariais. Ironicamente, foram os próprios trabalhadores da instituição responsável pela estabilidade de preços na zona euro – o Banco Central Europeu (BCE) – que, recentemente, reivindicaram aumentos salariais por via da aceleração da inflação. Não obstante, os custos de trabalho não mostram ainda sinais de aceleração, pelo que, para já, essa espiral inflacionista não se terá instalado. Mas, quanto mais tempo passa, maior é a probabilidade que as expetativas dos agentes fiquem ancoradas em valores mais elevados e que motivarão aumentos salariais que tornaram uma intervenção forte do BCE inevitável. Um cenário que uma zona euro, com empresas e estados fortemente endividados, deve tentar evitar o mais possível.

Pedro Brinca, professor assistente na Nova SBE 

Fonte: Store Magazine - Edição de Janeiro/Março 20222

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